Imerso em devaneios, sentado em sua mesa de trabalho, o atendente da redação do Jornal surpreendeu-se com a mulher que pigarreara à sua frente.
– Pretendo anunciar no caderno de classificados – disse ela, convicta. – Escreva: “procura-se aliança de casamento, paga-se recompensa”. Onde a perdi? Em frente ao cemitério. Qual? da Saudade, perto do centro. Será publicado somente no domingo? Quanto custa para publicar todos os dias?
Por um valor indecente, ela fez com que o anúncio da aliança perdida constasse todos os dias no jornal da cidade. Passou a visitar a redação diariamente, ansiosa por um desfecho. “Nenhuma resposta ao anúncio”, era a sentença que ouvia repetidamente do atendente, cada vez menos simpático. Sem jeito, ela passou a ligar.
Semanas depois, o atendente soltou a língua:
– Minha senhora, conte a verdade para seu marido! Certamente ele entenderá e lhe dará outra aliança! – Houve um silêncio do outro lado – Enfim, asseguro para a senhora que ligarei caso alguém responda ao anúncio.
A esperança de reaver o simbólico anel minguou dia a dia. Certa manhã se deu conta que há tempos evitava o espelho, então olhou-o com curiosidade: os cabelos grisalhos – antes tingidos, a apática pele do rosto ressecada, os lábios cinzentos que há muito não viam batom. Recolheu os dois pratos, talheres e copos da mesa do almoço. Num ímpeto, pegou a bolsa e saiu de casa. “Cemitério da Saudade”, disse ao taxista.
Passou ali a tarde. O sol fraco de outono já descia; encerrou a limpeza do jazigo e a poda dos jarros de girassóis. Antes de partir, ajoelhou-se defronte à lápide de mármore; baixou os olhos para o contorno esbranquiçado em seu dedo anelar e suspirou emocionada. Deu adeus ao seu marido e levantou-se em direção à saída.
Curadoria: Lourenço Moura