“Respeitosamente” foi o fecho da carta, impressa em papel reciclado, que Pedro assina com capricho ainda que trêmulo, colocando-a logo no envelope. Sai antes da mulher despertar.
Arrasta-se cabisbaixo para a sede da companhia, repensando sua vida de engenheiro de energias, início como estagiário, vitórias, obstáculos, evolução, propósitos…
Uma vez, sua competência o levou a tratar de uma emergência numa das refinarias: ao final, conseguira conter o sério vazamento, contudo toneladas de óleo haviam poluído rios e florestas da região. E a lentidão da firma na despoluição e em esclarecer o incidente à população causou, tanto à empresa como a seus profissionais, imagem suja por muitos anos. Na época, Pedro sofreu severa crise de depressão, longo período de desânimo e solidão.
Meses de terapias e muita paciência da esposa conseguiram recuperar sua saúde psicológica, o orgulho pelo trabalho, a gratidão pelo que a empresa gerava no sustento da sua grande família.
Só que, anos depois, Pedro foi impactado gravemente por uma violenta onda de vergonha que se espalhou pela companhia depois que escândalos éticos e morais vazaram para a mídia, envolvendo o nome da firma e de seus líderes. Esvaíram-se riquezas e reputação. Essa atmosfera corporativa provocou pesada recaída para o engenheiro.
Passada uma década, Pedro sonhava em retomar sua confiança na firma e sua potência profissional. Apesar dos tratamentos e da intensa batalha pessoal, agora só fazia pequenos trabalhos de apoio, ele que já fora tão valioso para o setor energético…
Então nessa manhã, em respeito a si próprio, esperava concretizar a decisão que afastaria toda a poluição que atingira sua alma. Fôlego curto, é o primeiro a chegar à antessala da diretoria. Envelope pardo em punho, ainda consegue ver à distância o vulto do diretor, energicamente conduzido por agentes da Polícia Federal.
Curadoria: Lourenço Moura