Transferido para o departamento das causas cíveis, foi apresentado à gerente do setor, uma mulher jovem de postura elegante, e solteira. Ele pensou em conhecê-la melhor.
Mas bastaram algumas horas para ver-se frustrado e atormentado, pois não sabia em que momento sua concentração nas análises processuais seria interrompida por aquele gralhar que todos os dias passou a lhe causar desassossego.
No início chegou a dar leves sobressaltos na cadeira. Agora, aprendera a controlar o impulso. Respirava fundo. Visualizava o céu sem nuvens em uma mata onde só se ouvia o farfalhar das árvores embaladas pelo frescor primaveril e repetia mentalmente: tranquilidade.
Perguntava-se como uma voz tão irritante podia pertencer a uma mulher tão bela.
Seus colegas riam, fingiam entreter-se para assegurar a simpatia da chefe. Ela não sabia solicitar auxílio de seus analistas a não ser aos berros:
– Sicrano, eu preciso de um parecer mais incisivo. Fulano, eu quero um café bem amargo. Beltrano, eu necessito de uma petição agora.
A tarde tomava os ares frios da noite de inverno quando o silêncio foi rasgado.
– Eu preciso de um homem.
A solicitação sem nominar alguém ecoou e não provocou risos.
Ele nem respirou, levantou e ficou de frente para a bela gerente.
Ela estava de pé por trás da mesa com as mãos na cintura.
Ele também ficou na posição de Peter Pan e modulando sua voz de locutor de rádio, pediu:
– Defina “homem”!
A gerente franziu os cantos dos olhos, ajeitou o tailleur e sem elevar o tom da voz, piscou maliciosamente e esclareceu:
– Querido, hoje eu só necessito de alguém para carregar aquelas caixas até o arquivo morto — apontou para um amontoado de processos no canto da sala.
Ele suspirou… Abaixou os ombros.
– Ok. Vou chamar um estivador.
Curadoria: Lourenço Moura