Nariz longo e afilado entre os olhos tristes e derrotados. Ossudas maçãs do rosto reprimindo questões esgotadas. O medo serpenteando-lhe o cérebro. Entre a chávena do café e os cotovelos, um papel branco. A mão esquerda segurando o queixo, enquanto a direita entorpecida pela rotina do trabalho fabril, desenhava um cavalo.
Subitamente, viu o seu colo magro invadido por um cão de pequeno porte. Apesar do seu isolamento na esplanada barulhenta deixou que todo aquele pelo branco se acomodasse nas suas pernas. O cão colocando uma das patas sobre o papel, saudou:
— Olá fantástico homem.
— Fantástico sonhador! O mais importante que faço na vida é olhar garrafas correndo numa passadeira. Sou um ridículo.
— Se tu te achas um ridículo, ridículo serás. Um cavalo?
— Rocinante? Talvez como Dom Quixote, conquiste a Dulcineia que almejo; ela quer-me herói. Queria tanto dançar com ela, mas ela diz que fico melhor a um canto. Nem dançar sei!
— Estás grávido.
— Quê?
— De medo. Não te preocupes; é possível o aborto. Estou aqui eu.
— Um minúsculo Papillon com orelhas de borboleta.
— Cheio de vontade. Serve-te do que tens.
Francisco riu trocista. Papillon arreliado saltou para o chão, revirou os olhos, arreganhou os dentes e lançou-se ferozmente a um dos seus pés. Francisco assustado levantou-se e recuou.
— Não recues homem, reage — rosnou o cão, atacando-lhe alternadamente cada um dos pés. Francisco aprendia a dançar. Adeus vergonha; era urgente salvar os pés.
Um acordeão aumentou a diversão. Viu, entre os espectadores, uma outra Dulcineia dançando. Aceitava-o sem disfarces. Sorriu; os medos eram moinhos de vento.
Papillon? Aplaudia dentro de si!
Curadoria: Lourenço Moura
13 respostas
Adorável lição! 👏👏👏
Grata pelo comentário e pela leitura.
Abraço!
Que texto lindooooooooooo, maravilhoso, parabéns! 👏👏👏👏👏👏👏❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️
Muito obrigada.
Abraço!
Os devaneios de um artista, num diálogo aberto com seu eu, representado por seu cãozinho é cômico e reflexivo. Fiquei entre rir e refletir. Cada um com seu Papillon. Adorei!
Agradeço o seu comentário. Verdade todos temos um Papillon.
Abraço.
A interação com seu pet faz dispersar medos e pensamentos que não agregam valor. Restam reflexões que valem a pena e até curam também o estado depressivo do solitário personagem. A profundidade desse texto demonstra a importância abrangente da vida com a saudável convivência com quem, por ser irracional, é dotado de sabedoria em relação a muitos que se dizem racionais. Parabéns, nobre Escritora Fernanda Mesquita.
Gratidão imensa pelo seu comentário.
A leitura de cada um é importante não apenas para agrado do escritor, mas também para a evolução dele.
Abraço.
Ah, que delícia de texto!! Parabéns, Fernanda! Prosa poesia da melhor qualidade, brincando com outros textos, com outras possibilidades. E mostrando que são as coisas simples da vida que nos trazem alegria. 🌻
O que virá em Papillon – parte II? 🤔
Grata pela sua presença.
Quanto a Papillon, ele aspira desenvolver um talento que tem, mas é inseguro… Veremos se alcança o mundo que deseja.
Abraço
Texto adorável! Gostei muito! Parabéns! 🙂 Ansioso pela parte 2.
Muito obrigada Guilherme.
Abraço
Entrei e não visualizo os comentários.