O garoto estava sentado dois bancos na minha frente com uma mulher ao lado que julguei ser sua mãe. Ele estava claramente animado com o “city tour”.
— Que legal! Depois daqui quero ir ao aquário! Olha, um parque de diversões! Vamos pra lá, mãe?
Ao contrário do garoto, a mãe não parecia animada, em vez disso, bem abatida. Aliás, reparei que suas bochechas estavam molhadas. Não era suor, estava um dia frio. Ela chorava. Sim, dava para ver que eram lágrimas escorrendo. O menino, claro, alheio à dor da mãe, continuava falando.
Em algum momento — nem eu sei bem há quanto tempo eu estava observando mãe e filho — a mulher percebeu meu olhar e rapidamente tentou disfarçar o choro, esboçando um sorriso sofrido e baixando a cabeça para limpar o rosto com um dos braços. Tive vontade de estender-lhe minha mão. Oferecer ajuda. Perguntar qual era o problema. No mínimo ser alguém que a ouvisse.
O menino continuava focado no mundo lá fora. Enquanto o ônibus percorria as ruas da cidade o garoto apontava para as construções e para as pessoas que via pela janela. E comentava e falava e ria e prometia muito. Sempre com um sorriso no rosto. A mãe agora forçava um sorriso. Parecia tentar mostrar-se forte e imaculada aos olhos do filho. Estava fazendo um ótimo trabalho, pois o garoto continuava animado.
Peguei rapidamente minha câmera e esperei até que o menino olhasse para mim. Fotografei. Então “caiu-me a ficha”, lembrei-me que minha mãe estava comigo. Fotografei o garoto alheio aos problemas de sua mãe, sem perceber que ele me retratava alheio ao choro da minha mãe sentada ao meu lado.
Curadoria: Lourenço Moura
Foto de Jakob Scholz no Pexels
17 respostas
Observamos tanto situações de outrras pessoas, e esquecermos de observar á nossa volta! Pessoas de nosso convívio sofrendo silenciosamente!
Parabéns pelo texto!
Obrigado, Silvana! Com certeza, por vezes, não percebemos o sofrimento nem de pessoas muito próximas a nós.
Excelente texto. Reflexivo! Gostei demais.
Obrigado, Robson! 🙂
Cada click uma história, uma lembrança, uma reflexão. O olhar atento do fotógrafo dá vida às suas observações. A narração do fato leva a diversas interpretações. Nesse belíssimo texto, tanto o narrador quanto sua mãe se emocionaram com o mesmo fato, cada qual o registrou com sua sensibilidade. Quiçá outrora vivenciados. Tempos que não voltam mais. Parabéns Escritor Guilherme Balarin.
Muito obrigado, Clayton! Todos já estivemos no lugar de cada um dos personagens do texto.
Parabéns, Guilherme. Gostei!
Muito obrigado, Maria! 🙂
Devo confessar que fiquei impressionado, o plot no final tornou a história mais emocionante do que já se desenrolava, parabéns Guilherme, um conto majestral.
Senti o cruzamento das emoçóes de cada personagem, vivenciando, de modo diferente o mesmo local, a mesma hora. Quantas vezes caminhamos com quem nos é mais próximo, dando mais atenção a desconhecidos. Mas a verdade é que esse é o impulso natural do ser humano, na tentativa de abrir novos horizontes, Assim é o seu conto; um leque de possibilidades. Por mais que se abra não atinge o quão infinitos e desconhecidos somos uns para com os outros. Gostei muito! Poderia falar muito, muito mais sobre o que escreveu, de tão forte e delicado que é. Abraço.
Oi, Fernanda! Muito obrigado! 🙂
Texto emocionante!
Muito obrigado, Tais! 🙂
Muito bom o seu texto, Guilherme! Pude “andar de ônibus” enquanto lia e me peguei refletindo sobre esse menino, sua mãe… e sobre quantas vezes as mães tentam disfarçar o choro por seus filhos.
Janice, obrigado! Exatamente, né!? Quantas vezes sequer notamos as lágrimas de quem está tão próximo da gente.
Ótima reflexão!!!
Obrigado, Kerima! 🙂