Matinê

A MATINÊ

A máquina não sorriu ao entregar os bilhetes. O leitor automático liberou a passagem. O caminho era curto – o destino era mesmo ali, ao final do longo corredor.
O homem não se importava. Escolheu aquele que pareceu mais obscuro. Ao passar pela porta, não encontrou viva alma. Mas, conferiu os bilhetes; guiou-se pelas letras luminosas ao chão, pelos números de prata. Ao subir os degraus macios, ouviu seus próprios passos e a ausência dos saltos dela roçando as canaletas de metal.
Sentou-se e depositou ao seu lado o outro ingresso. As luzes diminuíram aos poucos – ninguém mais se interessara naquela história. Na tela, outros casais revezavam-se na tentativa vã de despertar no homem o interesse por suas vidas de fantasia. Suas vozes ecoavam nas paredes, altas demais, felizes em excesso.
O homem, alheio a tudo, olhos fechados, acariciava discretamente o pequeno pedaço de papel impresso e, gritando mentalmente o nome dela, tentava lembrar de sua primeira sessão de cinema.

[Robertson Frizero]

*Este conto foi citado pelo editor e escritor Sandro Bier no vídeo “Escrita de Contos – a Magia das Histórias Curtas”, do canal Café do Escritor, disponível no YouTube.

MEA CULPA

Às cinco em ponto do sol da tarde, meu joelho direito foi ao chão, humilde e respeitoso. Não era a primeira vez que minha mão direita tocava minha testa, depois descia até o peito para cruzar o corpo de ombro a ombro, em sinal de devoção. Mas nunca aquelas paredes pareceram tão altas, nem o caminho até o altar tão sombrio. A cada passo, aumentava ainda mais a minha angústia: eu precisava urgentemente de um pecado.
Sentei-me na segunda fileira, bem em frente a Santa Inês. Sob sua imagem sorridente a segurar uma palma, estava a porta da sacristia, onde me aguardava o Padre Solano. Há seis meses eu conhecia sua voz animada e gentil de sacerdote jovem, eram dele as aulas mais divertidas da catequese de freiras sonolentas e missas obrigatórias. Mas naquele instante, Padre Solano seria Deus ouvindo meus pecados, e isso era assustador. E eu precisava contar a ele de meus pecados – era um passo necessário para que, na manhã seguinte, eu estivesse de calça de tergal azul e camisa branca bordada com os símbolos eucarísticos, recebendo a hóstia consagrada pela primeira vez.
Esperando pelo chamado, ergui os olhos e vi uma vez mais o enorme crucifixo sobre o altar. Os olhos do Cristo pareciam compreender todo meu drama dos últimos dias – eu havia lido minha Bíblia para Crianças e marcado com canetinha os Dez Mandamentos, mas nenhuma luz, nada, nem uma ideia sequer. Lembro que a inspiração veio pouco antes do Padre Solano abriu a porta – eu menti!
Sim, tinha sido um falso testemunho, daqueles com implicações para a vida do próximo e tudo o mais: era aniversário de minha mãe e eu juntei umas poucas moedas da minha mesada e escolhi – sabe Deus o porquê – um LP do Peninha, um cantor romântico que, na ingenuidade de meus nove anos de idade, pensei ser o presente ideal para ela; minha mãe abriu o embrulho com curiosidade e senti no ato o meu erro; no dia seguinte, fui na loja de discos e pedi para trocarem o presente – a atendente recusou-se, disse que não se trocava LP a não ser no caso de defeito, e ainda sugeriu que eu tinha gravado as músicas em fita cassete e agora tentava conseguir outro LP na esperteza; sei que cheguei em casa chorando e contei o ocorrido com as cores fortes de minha frustração; no dia seguinte, minha tia armou-se de fúria e foi tirar satisfações do lojista que teria me chamado de mentiroso; ganhei um novo LP e um remorso que me seguiria até a véspera de minha Primeira Comunhão.

[Robertson Frizero]

Contos curtos de terror

Gritos

Acordei de madrugada com gritos e batidas no andar de baixo, desci rapidamente até a sala e percebi que os barulhos ecoavam do meu porão.

– Hã, por um momento esqueci da mulher que prendi lá embaixo.

Minha esposa

A minha mulher não para de gritar comigo todas as noites. Sinceramente eu não sei o que fazer, já tentei quebrar o pescoço dela, cortar a sua garganta, quebrar a mandíbula e costurar sua boca, Mas nada funciona.

Água

A água do prédio está com o cheiro e uma cor estranha. Talvez jogar o corpo da minha namorada dentro da caixa de água, não tenha sido uma boa ideia.

Funeral

Eu perdi muitos parentes e amigos próximos e sempre vivia indo a funerais, o pior disso tudo foi o dia que eu não pode ir ao meu próprio funeral.

Amor?

“Eu te amo e faria tudo por você. Queria que isso dura-se para sempre.” Disse a minha namorada colocando minha cabeça decapitada em cima da mesa e devorando minha carne.

Caixão

Aqui é frio, pequeno, escuro e úmido, eu poderia sair. Mas pregaram meu caixão, desde a última vez que sai e voltei para minha casa.

Mamãe

“Mamãe está frio aqui.” Ela berrou enquanto eu guardava seu corpo gelado e sem vida dentro da geladeira.

O gato

O Flex morreu, era o gato do meu filho, ele morreu faz algumas semanas atropelado por um carro, foi o ultimo presente do meu marido, antes dele sumir misteriosamente. Enterramos o gato em uma caixa de sapato no nosso quintal. Todas as noites meu filho chorava e pedia a Deus para que o gato dele voltasse.
Até que em uma noite meu filho vem correndo para meu quarto gritando.
– Mamãe, mamãe, ele está de volta, ele voltou.
Meio confusa eu pergunto quem havia retornado.
– O Flex mãe. – Ele fala enquanto aponta para a porta do meu quarto.
E lá estava ele, sem pelos, o corpo em decomposição e não havia olhos em suas órbitas, ele ficou lá, parado apenas nos olhando. Até que aquele animal abre sua boca e solta um miado de agonia, foi o som mais horrível que já escutei na minha vida.

Ele estava vivo quando o enterrei? Não, não poderia, eu me certifiquei que ele estava morto, eu passei com a roda do carro três vezes por cima dele. tenho certeza que o matei atropelado, assim como fiz com o meu marido dois dias antes.
Então me dei conta que enterrei o gato bem ao lado da cova do meu marido, foi então que comecei a ouvir passos nas escadas.

Realidade Virtual

Comecei a correr pelos corredores do laboratório como se não houvesse um amanhã, até que senti algo gelado que parecia ser um dardo tranquilizante, que acertou minha coluna vertebral, cai no chão, então tudo começou a escurecer. Enquanto eu perdia a consciência, algo que parecia ser um monstro horrendo corria até mim, ao se aproximar ele começou a arrancar pedaços do meu corpo e os devorava parte por parte, eu gemia e berrava de dor, enquanto o sangue jorrava para fora do meu corpo. Enquanto meus membros eram desconectados do meu corpo, senti uma dor de cabeça enorme quando retiraram o óculos de realidade virtual da minha cabeça.

– Então? Como foi. – Um dos cientistas perguntou em um tom sério, mas com um toque de curiosidade.

– Foi incrível, era tão real. – Respondi, ainda em choque com o quão real foi aquela experiência.

– Que bom, pois é lá que você vai ficar. Precisamos de mais dados. – O outro cientista disse.

– Espera, o quê? – Pulei da cadeira onde estava sentado.

Comecei a correr pelos corredores do laboratório como se não houvesse um amanhã, até que senti algo gelado que parecia ser um dardo tranquilizante, que acertou minha coluna vertebral, cai no chão. Enquanto eu perdia a consciência, algo que parecia ser um monstro horrendo corria até mim, ao se aproximar ele começou a arrancar pedaços do meu corpo e os devorava parte por parte, eu gemia e berrava de dor, enquanto o sangue jorrava para fora do meu corpo. Enquanto meus membros eram desconectados do meu corpo, senti uma dor de cabeça enorme quando retiraram o óculos de realidade virtual da minha cabeça.

– Então? Como foi. – Um dos cientistas perguntou em um tom sério, mas com um toque de curiosidade.

– Foi incrível, era tão real. – Respondi, ainda em choque com o quão real foi aquela experiência. – Espera… Tudo isso já aconteceu?

SIBIPIRUNA

Sibipiruna, árvore dourada
Nos caminhos da vida, entrelaçada.
Raízes firmes na terra,
Sabedoria em si
Guardando em sua memória
Muitas histórias daqui.

Seus galhos sustentam o céu
E na tua grande imponência
Ostenta teu áureo véu.

Suas flores quando caem
Formam um lençol dourado no chão
Pinta a terra da cor de ouro
inspira poesia e canção.

Suas folhas dançam ao vento leve
A tua sombra acalma
E o calor se faz breve.

Em seus galhos fazem ninhos
Pica-paus, bem-te-vis, maracanãs…
E me acordam com algazarras
Me encantando todas as manhãs

Sob o seu véu dourado
A Paz se faz morada
Sibipiruna majestosa
Minha rainha enraizada.

A última estação

O relógio marcava onze horas, e era o último trem. Apesar de correr a plenos pulmões, quando cheguei à estação, o trem já fazia a curva e a fumaça se espalhava pelo vale.
Fiquei desolado. O que iria fazer sozinho naquela estação, àquela hora da noite?
A estação era escura, lúgubre. A umidade tomava conta das paredes. Por ser muito antiga, algumas paredes já haviam desabado.
Então, tive uma sensação estranha. Alguém me observava.
O sentimento era sufocante.
Comecei a suar, apesar do frio que a noite trazia.
Minha garganta estava seca; precisava de água.
Olhei em volta e, na penumbra, vi uma porta que deveria ser um banheiro.
Fui até lá, e realmente era o banheiro masculino.
Entrei, ainda me sentindo mal.
O lugar estava em péssimo estado. O cheiro era insuportável, o que me fez sentir ainda pior. O chão estava coberto de água suja, misturada com fezes espalhadas por todo canto. Ratos nem se davam ao trabalho de se afastar quando percebiam minha presença. Também havia baratas do tamanho de gafanhotos.
Eu me sentia atordoado pelo mal-estar, agravado pelo cheiro fétido, pela sujeira, pelos animais e pelos insetos.
De repente, virei-me em direção à porta e percebi que não estava sozinho.
Minha primeira visão foi de um par de olhos ameaçadores. A tez branca e retesada era a personificação do mal que, ainda há pouco, eu sentira lá fora.
A figura era a de um homem com roupas maltrapilhas, exalando um cheiro ainda mais forte do que o que eu já sentia.
Tudo aconteceu muito rápido. Percebi que ele segurava um pedaço grande de madeira.
O golpe veio rápido, mas tive tempo o suficiente para entender o que estava por acontecer e acompanhar a trajetória da madeira em minha direção.
O impacto foi muito forte. Da minha cabeça voaram pedaços. Meu cérebro se esfacelou, e o corpo colapsou.
A água fétida recebeu meu corpo. Enquanto caía, consegui visualizar minha mãe cuidando de mim quando criança. Senti-me jovem, já adulto, e então uma luz muito forte perpassou meu corpo, embora eu ainda percebesse que o banheiro continuava tão escuro quanto antes.
A luz me elevou, e vi meu corpo caído, sem vida, na escuridão. A sensação era boa, quase libertadora, e a dor sentida já ficara para trás.
Mas então ouvi uma voz que parecia vir de todos os lados:
— O trem sempre leva quem chega atrasado.