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17 de janeiro

MEA CULPA

Publicado por:

Robertson Frizero

Às cinco em ponto do sol da tarde, meu joelho direito foi ao chão, humilde e respeitoso. Não era a primeira vez que minha mão direita tocava minha testa, depois descia até o peito para cruzar o corpo de ombro a ombro, em sinal de devoção. Mas nunca aquelas paredes pareceram tão altas, nem o caminho até o altar tão sombrio. A cada passo, aumentava ainda mais a minha angústia: eu precisava urgentemente de um pecado.
Sentei-me na segunda fileira, bem em frente a Santa Inês. Sob sua imagem sorridente a segurar uma palma, estava a porta da sacristia, onde me aguardava o Padre Solano. Há seis meses eu conhecia sua voz animada e gentil de sacerdote jovem, eram dele as aulas mais divertidas da catequese de freiras sonolentas e missas obrigatórias. Mas naquele instante, Padre Solano seria Deus ouvindo meus pecados, e isso era assustador. E eu precisava contar a ele de meus pecados – era um passo necessário para que, na manhã seguinte, eu estivesse de calça de tergal azul e camisa branca bordada com os símbolos eucarísticos, recebendo a hóstia consagrada pela primeira vez.
Esperando pelo chamado, ergui os olhos e vi uma vez mais o enorme crucifixo sobre o altar. Os olhos do Cristo pareciam compreender todo meu drama dos últimos dias – eu havia lido minha Bíblia para Crianças e marcado com canetinha os Dez Mandamentos, mas nenhuma luz, nada, nem uma ideia sequer. Lembro que a inspiração veio pouco antes do Padre Solano abriu a porta – eu menti!
Sim, tinha sido um falso testemunho, daqueles com implicações para a vida do próximo e tudo o mais: era aniversário de minha mãe e eu juntei umas poucas moedas da minha mesada e escolhi – sabe Deus o porquê – um LP do Peninha, um cantor romântico que, na ingenuidade de meus nove anos de idade, pensei ser o presente ideal para ela; minha mãe abriu o embrulho com curiosidade e senti no ato o meu erro; no dia seguinte, fui na loja de discos e pedi para trocarem o presente – a atendente recusou-se, disse que não se trocava LP a não ser no caso de defeito, e ainda sugeriu que eu tinha gravado as músicas em fita cassete e agora tentava conseguir outro LP na esperteza; sei que cheguei em casa chorando e contei o ocorrido com as cores fortes de minha frustração; no dia seguinte, minha tia armou-se de fúria e foi tirar satisfações do lojista que teria me chamado de mentiroso; ganhei um novo LP e um remorso que me seguiria até a véspera de minha Primeira Comunhão.

[Robertson Frizero]

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