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Mãe,
Eu sei que você deve estar surpresa com esta carta, já que nunca lhe escrevi nem atendi a todos os seus telefonemas. Mas isto aqui é apenas um pedido de perdão, e eu sei que talvez eu não o mereça.
Quando você foi embora, não esperava mais que pudesse voltar. Já faz oito meses que me disseram que você tinha retornado depois de todos esses anos, e a mágoa que a sua falta trouxe não me permitia perdoá-la nem deixar que você voltasse a fazer parte da minha vida.
A tristeza que eu sentia pela sua ausência foi alimentada com as falsas histórias que tia Carmem contava sobre você, transformando a mágoa em raiva, me fazendo acreditar que nasci de um ventre sujo, de uma mulher promíscua que se vendia por prazer de destruir a moral de sua família. Eu era muito novo quando você sumiu, não tinha lembranças de como você era, então preencheram essa lembrança com as imagens das garotas que víamos quando descíamos a Rua Augusta.
Fui muito solitário por todo esse tempo, e a solidão não é um sentimento que crianças deveriam conhecer, mas foi com ela que eu vivi toda a minha vida. Era ela quem preenchia a cadeira vazia na reunião da escola em que só você não estava lá, foi ela que me acolheu quando eu senti a dor do amor não correspondido pela primeira vez.
A tristeza e a solidão endureceram o coração daquela criança que fui um dia, de modo que o mundo à minha volta esfriou, tornou-se cinza. Para fugir da ausência que me atormentava, refugiei-me em meus estudos, agarrei-me a eles com uma determinação ferrenha e, graças a isso, consegui uma bolsa de estudos e fui estudar no Rio. Lá construí minha vida e, nesta última semana de dezembro, quando pensei ter esquecido você, eu assistia à retrospectiva das notícias que foram marcantes e nela anunciavam que oito mulheres vítimas de tráfico sexual foram libertadas de um cativeiro no exterior. Em entrevista ao repórter, uma das mulheres, ainda aos prantos, diz: “Só quero ir para casa, só quero voltar para o meu filho”. Seu nome, Cidália Novais.
Quando vi aquele nome junto ao meu sobrenome, o chão sob meus pés desapareceu, fazendo-me cair em um abismo de dúvidas sobre tudo o que aconteceu até ali. Todos esses anos em que me senti abandonado perderam todo o sentido, culpei-me por acreditar na imagem que me venderam de você. Atormenta-me imaginar tudo o que você passou sem que eu pudesse fazer nada. É com o coração partido, mas ao mesmo tempo feliz, que escrevo esta carta para dizer que estou voltando para nossa casa, voltando para construirmos todos os momentos que roubaram de nós.
Com amor e arrependimento,
Seu filho,
Marcelo.