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A CARTA DE ANA
28 de fevereiro

A CARTA DE ANA

Publicado por:

PatLopesAutora

Vó, tudo bem?
Sou a Ana e realizei meu grande sonho: ser mãe. Mas a realidade foi bem diferente do que eu imaginava. A demanda é intensa, e há dias em que a exaustão me consome. Enfrento batalhas diárias: luto por inclusão, discuto com o convênio médico e travo uma guerra silenciosa contra a depressão que me acompanha há anos.

A inclusão só existe no papel, vó. A maioria dos educadores acha que incluir um autista significa apenas deixá-lo frequentar as aulas. Olha como são generosos… É como convidar alguém para a festa, mas proibir que coma e dance.

Não queremos privilégios, buscamos acessibilidade. Queremos que a minha filha se sinta bem, que as crises sejam menos frequentes.

E as crises, vó, são inevitáveis. Para quem é autista, elas fazem parte da vida. O cérebro se sobrecarrega rápido demais, e pouca gente entende o que isso significa de verdade.

“Ela gritou e queria sair da sala.”

É claro que minha menina queria sair, estava em crise. Mas o que muitos não percebem é que pequenas mudanças podem tornar o ambiente mais confortável — não só para os autistas, mas para todos os alunos.

Salas quentes, sem ventilação, podem desencadear crises, por exemplo. Não são apenas os autistas que sofrem com isso, mas, sem dúvida, são os mais afetados. Ainda assim, há quem ache que a inclusão é um fardo.

Percebe, vó, como a inclusão não beneficia apenas as pessoas com deficiência? Estamos falando de gente, não de diagnósticos. Vidas são preciosas. Todos merecem respeito.

“Autista é gente. É óbvio, Ana.”

Mas muita gente esquece disso, vó.

Li, na internet, um comentário que me marcou:

“Por causa dessa lei absurda que obriga as escolas a disponibilizarem profissionais para acompanhar crianças com deficiência, temos que pagar mais caro pela mensalidade. Isso não é justo.”

Sabe o que é justo, vó? Lutar pelo direito universal. Pelo direito de toda criança aprender. Pelo direito de existir sem ser visto como um fardo.

A minha filha não é um fardo. O fardo é o preconceito, a indiferença.

Ela é linda, inteligente e de bom coração. Tem respostas afiadas e raciocínio ligeiro. Sabedoria pura que me enche de orgulho. Por causa dela, estou lutando por um lugar no mundo — porque eu também sou autista.

Nesse espectro, há mães como eu, que não têm sequer o direito de adoecer. Por muito tempo, tentei ser a Mulher-Maravilha. Mas agora… já não sou. E, para ser sincera, não quero mais ser. Estou cansada.

Só queria, por um dia, ser cuidada.

Um único dia sem pensar nas exigências da maternidade, do trabalho… Apenas um dia para ser Ana.

O que as pessoas não percebem é que estou em modo de espera, carregando no vermelho, sem previsão de recarga. E, pior: minha bateria está viciada em remédio.

Já disse ao psiquiatra que quero parar. A medicação só está amortecendo as minhas emoções, e elas precisam de um escape.

Por que não me perco?
Minha filha é luz, e é nela que encontro o caminho.

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