De onde vem a luz do sol? Quem assopra o vento? De onde vem tanta água da chuva? E os relâmpagos e os trovões? E a noite? E o dia? Como viemos parar aqui? Esse mundo é cheio de mistérios, dizia em suas indagações Maria Esperança para ela mesma. O nome recebeu da mãe, que imaginava para a filha um futuro melhor. Sentada num banquinho de madeira desgastado pelo tempo, nos finais de tarde em frente à casa dela, naquele fim de mundo onde morava, muitas perguntas atazanavam a mente de Maria Esperança, com respostas que nunca tinha. Lembranças longínquas de sua mãe apareciam em seus pensamentos quando estava divagando em sua solidão.
Vivia só, nunca conheceu o carinho de um homem ou o afago de um filho, viveu árida como a própria terra onde vivia. Seus cabelos brancos e a pele rachada pelo sol da labuta diária, denunciava o seu corpo deteriorado pelo tempo. Com seu cigarro de palha barato que ela mesma fazia, ficava horas a divagar sobre as forças da natureza e os mistérios da vida. Em uma mão, segurava o cigarro de palha e na outra, um galho seco de árvores que pegava do manguezal do quintal, e com ele rabiscava desenhos no chão de terra batida que nem ela sabia o que era.
Fazia isso para passar o tempo e afogar a solidão. “Triste é viver sozinho”, dizia ela, sem ter com quem conversar, dividir uma xícara de café, fazer uns afagos à noite na hora de dormir, compartilhar as tristezas, as alegrias, ou apenas ficar um ao lado do outro, sem dizer nada, sentindo que o outro está por perto. Esses lampejos de felicidade não faziam parte da vida dela.
Maria Esperança divagava com seus pensamentos; ninguém nunca lhe respondera as perguntas que ela fazia para ela mesma; mesmo porque não tinha para quem perguntar, e como ela mesma dizia: ninguém dá ouvidos e atenção para velhos. A idade nem ela sabia, talvez quase cem; tinha uma saúde de ferro, nunca precisou de médicos e nem de remédios. Se sentia algum desconforto, se curava com as ervas que plantava, e se alimentava das aves que criava no quintal de sua humilde casa; não tinha nenhuma doença dessa gente da cidade grande, como ela dizia.
Maria Esperança era uma velha forte, tranquila e corajosa; aceitou a sua condição de viver só, não pela sua própria vontade, mas pelas circunstâncias que a vida impôs a ela. Filha única de mãe pobre, nunca foi à escola. Quando a noite chegava, e as luzinhas brilhantes começavam a surgir no céu, e as muriçocas a perturbar, ela deixava o seu banquinho, calçava o chinelo ruído pelo tempo, desmanchava os rabiscos feitos no chão, apagava o cigarro na parede da casa de barro, coberta de palha, onde vivia, no interior do Brasil, e entrava.
Maria Esperança, que nunca ouviu falar de minimalismo, aplicava em sua vida sem saber, tinha apenas o essencial: fogão à lenha na cozinha, uma sala que servia também de quarto, uma rede, uma lamparina e dois banquinhos velhos de madeira, que poderia ser útil para algum visitante; o banheiro era no quintal ao ar livre, onde tomava banho e fazia suas necessidades.
Ela dizia que o melhor é ter apenas o essencial, a preocupação não entra na cabeça da gente, pois quem tem muita coisa tem que tomar conta delas e não vive sossegado.
— Quando morrer não vou levar nada, não trouxe nada quando nasci e não vou levar nada quando desaparecer desta terra, aqui somos apenas viajantes — dizia ela em sua sabedoria. Mesmo sozinha, sem marido, nem filhos conseguiu construir o único bem que teve: a sua casa. A única coisa que conheceu na vida foi a escassez, as dificuldades e a solidão.
Morreu sem obter respostas de suas indagações, num dia comum de chuva quando arava a terra, com as marcas do tempo diluindo a vida, sonhando com a escola que nunca teve; desapareceu com a terra, levada pela correnteza das lágrimas, quase perto da colheita do arroz e da mandioca, de mulher só lhe restou a alma!
Curadoria: Lourenço Moura
3 respostas
Lindo texto. Não ter a quem perguntar não lhe foi impeditivo de sonhar com as respostas. Parabéns, Virgínia!
Gostei muito Virgínia! História muito interessante ,apesar de um tanto triste.
Lindo texto!