Ela estava ali, a enfrentá-lo num embate épico entre suas lembranças e seu presente. Ele ficou estacado e imóvel, inerte perante as emoções e os pensamentos. Queria ficar do lado de fora, seguro e sozinho. Lá dentro, as luzes pareciam dançar alegres ao movimento das pessoas que andavam alheias à sua presença de um lado ao outro. Precisaria de um esforço sobre-humano para poder bater na madeira. Adornada por uma bela guirlanda, a porta parecia agora que lhe sorria escancaradamente, talvez zombando de sua covarde indecisão.

Há quantos anos não pisava naqueles degraus?  A rua mudara de ares. Já não era a mesma de décadas atrás. A porta, porém, impávida, era a mesma que por infindáveis vezes se abriu e fechou por detrás de si. Sabia que ao atravessá-la, teria um encontro com suas lembranças. Isso o perturbava. Por fim, colocou as malas no chão e arrojou os punhos em direção àquela muralha. Foram três toques opacos e secos.

Em segundos, ouviu passos que se aproximavam, então aquele portal se abriu: dois olhos azuis e desgastados pelo tempo contemplaram os dele. Por alguns segundos pareciam não acreditar, mas foram se enchendo de lágrimas saudosas e felizes. Um grande abraço silencioso e materno o acolheu ali mesmo. Enfim, estava de volta.

 

 


Curadoria: Lourenço Moura


Imagem de Hans Benn por Pixabay 

5 respostas

  1. Emocionante texto, voltar pra casa sempre nos deixa feliz, e a guirlanda que faltava.parabens
    Deve que posso assim fizer.
    Um abraço

  2. Fiquei com a impressão de que a porta sorriu, também saudosa, ao reconhecer o toque daqueles dedos que a muito não sentia. Parabéns, Kinna!

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