Imerso em devaneios, sentado em sua mesa de trabalho, o atendente da redação do Jornal surpreendeu-se com a mulher que pigarreara à sua frente.

– Pretendo anunciar no caderno de classificados – disse ela, convicta. – Escreva: “procura-se aliança de casamento, paga-se recompensa”. Onde a perdi? Em frente ao cemitério. Qual? da Saudade, perto do centro. Será publicado somente no domingo? Quanto custa para publicar todos os dias?

Por um valor indecente, ela fez com que o anúncio da aliança perdida constasse todos os dias no jornal da cidade. Passou a visitar a redação diariamente, ansiosa por um desfecho. “Nenhuma resposta ao anúncio”, era a sentença que ouvia repetidamente do atendente, cada vez menos simpático. Sem jeito, ela passou a ligar.

Semanas depois, o atendente soltou a língua:

– Minha senhora, conte a verdade para seu marido! Certamente ele entenderá e lhe dará outra aliança! – Houve um silêncio do outro lado – Enfim, asseguro para a senhora que ligarei caso alguém responda ao anúncio.

A esperança de reaver o simbólico anel minguou dia a dia. Certa manhã se deu conta que há tempos evitava o espelho, então olhou-o com curiosidade: os cabelos grisalhos – antes tingidos, a apática pele do rosto ressecada, os lábios cinzentos que há muito não viam batom. Recolheu os dois pratos, talheres e copos da mesa do almoço. Num ímpeto, pegou a bolsa e saiu de casa. “Cemitério da Saudade”, disse ao taxista.

Passou ali a tarde. O sol fraco de outono já descia; encerrou a limpeza do jazigo e a poda dos jarros de girassóis. Antes de partir, ajoelhou-se defronte à lápide de mármore; baixou os olhos para o contorno esbranquiçado em seu dedo anelar e suspirou emocionada. Deu adeus ao seu marido e levantou-se em direção à saída.

 


Curadoria: Lourenço Moura


Foto de Anna Shvets no Pexels

33 respostas

  1. Literatura à flor da pele com observação do cotidiano. Forma suave de se expressar e proporcionar reflexões. Parabéns Escritora Renata Lima. Humilhou…

  2. O conto é singelo e delicado, a angústia da protagonista está presente em cada linha. Acredito que o amor será sempre o maior patrimônio da humanidade e vê-lo expresso de forma tão elegante e charmosa como nos descreve a autora, torna-se um deleite e alimenta nossa esperança de que a humanidade tem valores nobres. Parabéns, Renata, sua história é apaixonante.

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