Você está em:
CARTA PARA CORA
Cora,
te escrevo da terra vermelha dos dias,
onde os rios correm apressados,
mas as palavras, como tuas,
preferem demorar-se nos quintais.
Fizeste do chão batido um livro,
da pedra rude, um abrigo de versos,
e das miudezas da vida,
um relicário de eternidade.
Diz-me, Cora,
como foi semear poesia
entre tachos de doce,
bordar esperança no pano gasto do tempo,
sem nunca temer as rugas no rosto
que só a vida bem vivida sabe dar?
Tua pena, mais forte que o fado,
não escreveu para salões dourados,
mas para as mãos de quem planta,
de quem fia e desfia os dias,
tecendo histórias à luz do fogão.
E eu, aprendiz tardio de teus silêncios,
te escrevo para dizer
que tua casa de portas velhas
ainda abriga sonhos novos,
e que teus versos,
colhidos com as mãos da infância,
florescem em cada esquina
onde uma mulher ousa existir
sem pedir licença ao tempo.
Com gratidão,
um viajante dos teus versos.